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  • Foto do escritorPaulo Raposo

ESTRELAÇOR 2020

Atualizado: 4 de nov. de 2020



O quê: Estrelaçor trail ultra endurance, VI edição

Onde: Penhas da Saúde, Covilhã

Quando: 23 a 25 de outubro de 2020

Quem (atletas): 180k - Luís, Pedro e Rui; 100k - Carmen, Marina, Sandra, Luís Afonso, Paulo, Teodoro; 45k - João


O início

A romaria a esta prova perde-se na memória dos tempos. Há quem afirme que foi um devaneio do Pedro, há quem diga que foi uma troca parva de mensagens no messenger, há quem não faça a mínima ideia de como lá fomos parar. Mas fomos!

E os treinos e treinos até lá chegarmos, e as grupetas formadas? Havia tanto para contar.

E que bela estreia seria nas 100 milhas para o Pedro e para o Rui, e nos 100 kms para o Luís Afonso!


A incerteza

O organizador da prova, O Mundo Da Corrida (OMDC), não tinha a certeza de que a prova se iria realizar - na própria inscrição diziam para não se pagar.

O tempo foi correndo, lá veio a confirmação do pagamento e o meu primeiro banho de realidade. Tinha-me inscrito nos 180k (a minha corrida mais longa foi de 144k) e mudei para os 100k. A falta de treino acumulada e a proximidade do evento levaram-me a repensar. Em cima disto só me faltava uma prova para terminar o circuito de Ultra Trail Endurance da ATRP, e os 100k, ao contrário dos 180k, contavam para isso.

Mas a novela de incerteza continuou, a poucos dias antes da prova veio o alarme: todos tinham de fazer o teste ao COVID 19, a ARS de Cova da Beira assim o exigia.

Entre muitas trocas de email com os atletas, outros emails que não chegaram e posts no facebook, chegou-se à conclusão que isto era mesmo para ir em frente. Lá íamos nós.

Mas íamos mesmo com prova cancelada. Já havia malta preparada para andar na serra durante duas noites em autossuficiência.


The day before

Fomos em várias ondas. Os primeiros a chegar a Penhas da Saúde foram na quinta-feira, dia 22. Entre eles estavam os 3 que iam participar nos 180k, além de outros 2 que iam aos 100k. Os restantes foram chegando atempadamente para as provas que iam participar.

Instalamo-nos, passeamos, reservamos um restaurante,... reservamos outro restaurante, desmarcamos o primeiro restaurante, comemos e fomos dormir. Não sem antes os instagramers tirarem as suas fotos


O dia D

Dormi mal. As idas do Pedro ao WC acendiam as luzes diretamente na minha cara.

A malta dos 180k começavam a sair às 11:00, estes nossos bravos atletas estavam marcados para as 11:52. Após o pequeno-almoço, e com muita calma, começou-se a fazer as mochilas. Já eram quase 11:00, mas ainda faltavam muitos minutos para a partida, certo? ERRADO!!!!!

Dei por mim a chamarem o Luís um pouco antes das 11:00. Iria logo na primeira saída. Corri para o avisar. Quando ele chegou à partida já era tarde. Oh, bolas!

E de repente chamam o Pedro!?! Mas ainda são 11:10! Toca a chamar o Pedro e o Rui que deveria ser logo de seguida.

O Luís partiu com o Pedro mal chegaram à partida, e o Rui que chegou mais tarde partiu com outra pessoa que também estava atrasada, em último lugar. QUE PARTIDA!! Aquilo que faz uma pandemia! Ou o que os Homens fazem dela!

Ou seja, bem antes das 11:30 já estavam todos em prova.


A viagem até ao Piodão

O percurso dos 180k tinha início e fim em Penhas da Saúde. O percurso dos 100k começou no Piodão, ponto de passagem dos atletas dos 180k. A partir daí o percurso era comum entre ambas as provas.

Sendo assim tínhamos de ir até ao Piodão. A organização disponibilizou autocarros e a partir das 17:00 começou a nossa viagem pelas estradas sinuosas, cheias de curvas e contracurvas apertadas em veículos pesados com capacidade para mais de 50 passageiros.

Enjoei, e esse enjoo iria comigo durante muitas e boas horas.

No destino já lá estavam os restantes atletas, Carmen, Marina e Luís Afonso, bem como os acompanhantes e amigos Ana, Orlando e Rui Gonçalves.

A partida foi adiada para as 21h. O atraso na entrega dos dorsais assim obrigava. Mais uma consequência da pandemia, só se entregava um dorsal de cada vez.


A partida dos 100k

A partida da prova foi dada na estrada que sai do Piodão, imediatamente à saída do largo onde está a igreja matriz.

Tal como na dos 180k, esta também foi um pouco atribulada. Inicialmente prevista para ser de 2 em 2 minutos, aos 10 atletas de cada vez, foi mesmo assim que começou e de forma ordeira. Isto até começarem a faltar atletas à chamada em que se improvisava chamando os que estavam logo à porta de entrada. Está fácil de ver que aos poucos e poucos os atletas chamados já não entravam pela simples razão que já estavam em prova, já tinham entrado na vez de outros - e assim começou a ser por ordem de chegada.

Até os 2 minutos de intervalo entre ondas parecem ter sido encurtados aos poucos e poucos conforme se ia andando a libertar os atletas para a prova. Pode parecer caótico, mas acho que até funcionou bem, todos partiram ordeiramente, sem atropelos e com espaçamento. Na primeira subida, onde se costuma esperar em fila porque o single track está congestionado, não houve problemas. Ninguém atrapalhou ninguém porque... estava tudo muito espaçado, e bem.


Primeira subida (600 D+)

Dada a partida fui logo ultrapassado pela maioria dos meus 10 colegas de saída. Nada que não esteja habituado, não gosto de começar com fogo no rabo e estas provas têm muitos kms.

Logo na primeira subida passei pelo Luís Afonso, o único R4F a partir à minha frente. Mas só passei por ele porque parou para dar uma beijoca à Isabel enquanto esperava pelo Teodoro, esse malandro que devia andar a morder-me os calcanhares.

Subida interminável (todas pareciam assim) até ao pico do Açor (1342m), seguida de descida até ao primeiro abastecimento em Malhada Chã. Estavam feitos 8 kms.

Parei aí para atestar de água e cumprimentar o Miguel Pinho. E eis que aparece o Teodoro e o Luís Afonso. Bolas, que eles estão fortes! Qual Rúben ofendido parti sem esperar por eles com medo de me deixarem para trás.


Segunda subida (600 D+)

Segunda subida, tão dura como a primeira, em direção a Cebola (1.418m). Fui ultrapassado pelo Teodoro e Luís Afonso - são bons a subir, quando crescer quero ser como eles. E nova descida interminável. Ah! Aí sou melhor, é só abrir o passo e deixar o corpo ir. E pronto, passei por eles - Será que quando eles crescerem quererão ser como eu?

No final da descida estava o abastecimento de Sobral de São Miguel, bebi um chá e voltei a abastecer de água. Aproveitei para comer o que tinha na mochila, os torresmos, o queijo e os ovos. Finalmente estava a passar o enjoo da viajem de autocarro. Já estava com 26 kms.


Terceira subida (850 D+)

Terceira subida até Gondufo (1342m).

Se há quem diga que a verdadeira corrida começa quando nos esquecemos que estamos a correr foi aqui que aconteceu. Dei por mim a olhar para as estrelas. Vi a Cassiopeia, esse famoso "W", vi Orion o berçário estelar, com a sua cintura conhecida pelas "Três Marias" e o Sagitário - o centro galáctico - a sair do horizonte. E, claro está, vi a Ursa Menor e a estrela mais conhecida de todas, a Polaris. E aí apercebi-me que andávamos às voltas. Quando saímos Piodão fomos para sul e agora estava com a Polaris à minha frente, ia para norte. E logo de seguida, à passagem pelo pico de Gondufo a Polaris começa a estar à minha esquerda. Não havia dúvidas, era o momento de ir direito à Torre. Que medo!!! Mas ainda faltava muito para lá chegar.

Até aqui a corrida é maioritariamente em estradão, ora a subir, ora a descer. Por vezes havia um troço de ligação em single track e mais sinuoso que dava alguma alegria.

A seguir à subida, mais uma interminável descida em estradão até Teixeira. Aí aproveitei para comer uma sopa quente, e que bem que soube. E assim se fizeram 41 kms.


Rumo a Alvoco

Esta foi a parte da corrida mais suave e quiçá mais bela.

Quase sempre a descer e em single track faz a delícia dos trailers que gostam de descer trilhos com rapidez. Infelizmente fiz esta parte de noite e só via o que o frontal me iluminava pelo meio das árvores.

Foi neste troço que soou um alarme, o joelho começa a doer de forma que já não me lembrava. Parecia ser o ligamento lateral externo do joelho direito, ia doendo cada vez mais e estava a ver que iria deixar de conseguir correr. A última vez que me aconteceu este problema estava a fazer os 50k dos 101 peregrinos em Ponferrada com a Sandra - nessa altura parecia um velho, não corria a descer que me doía o joelho direito, não corria a subir que doía a anca esquerda.

E foi nesta dúvida que cheguei aos 53 kms a Alvoco da Serra. A base de vida estava à minha espera. Mudei de meias, calcei as minhas melhores sapatilhas comi muito pouco da minha salada de atum - parece que o enjoo do autocarro tinha voltado - e voltei à prova.


Subida à Torre (1250 D+)

Chegou finalmente o momento de fazer "A" subida.

Aconteceu como tinha de acontecer. Quem a fez sabe do que falo: com uma distância de apenas 7 kms subimos 1250m. Tem uma inclinação média de 18% no meio de pedras, pequenas, grandes e enormes, e de vegetação rasteira. Gostava muito de correr aí mas não consigo, nem pelo piso, nem pela força nas pernas, nem pelo cardio que me falta.

Fui a andar, aproveitando as quase 3 horas de brutalidade da subida para descansar o joelho. Tinha a esperança que, com a ausência de impacto, o joelho recuperasse e pudesse voltar a correr sem muitos problemas.

Foi lenta e penosa. Já a tinha feito em treino, nessa altura só levava 10k e agora já ia com 50k. Não foi fácil, mas com calma e perseverança a coisa fez-se. E no final lá estavam as duas cúpulas. Já tinha 60 kms feitos.

A subida estava feita (1993m), estava acima das nuvens no ponto mais alto de Portugal continental. É bom lá irmos de carro, mas pelo próprio pé desde o sopé da serra tem um gosto especial, um sentimento que cada um interioriza de maneira diferente. É espetacular, depois de um esforço grande, sentimo-nos no topo, olhamos de cima e vermos coisas indescritíveis.


Descida a Manteigas

Mais um abastecimento, mais uma saída para outra etapa. Esta descida começou como a subida que a antecedeu, muita pedra, vetação rasteira e íngreme. Fui em direção ao Covão do Ferro. Não se conseguia correr (eu não consegui) e já me faltava a frescura nas pernas. De vez em quando um ameaço de torção ou queda. Pensei comigo, "É melhor ires mais devagar. Vais ter condições para correr e não conseguires".

Passada essa descida, começou outra com desnível muito bom até Manteigas. Ora em trilhos, alcatrão ou estradão e em todos os casos fácil de se fazer.

Não conseguia correr e ainda faltavam 35 kms para o fim. A mensagem que o joelho me dava era taxativa: NÃO CORRERÁS!

A descida ficou sofrível, nunca mais chegava ao fim. Manteigas estava lá ao fundo, o estradão era fantástico para correr e... eu a andar.

Aqueci. As nuvens ficaram para trás, a temperatura aumentou no vale glaciar. Vesti os calções e a t-shirt laranja. Já tinha saudades dum vestuário minimalista.

Pensava nos meus colegas dos 100k. A Carmen já tinha desaparecido e, se calhar, já tinha chegado. Sandra, Marina, Luís Afonso, Teodoro, será que estariam bem? Ou será que teriam problemas e iam ficando lentos como eu? E os dos 180k, Luís, Pedro e Rui onde andariam eles? Estariam a dar conta do recado? A serra e a distância eram brutas!

E assim cheguei a Manteigas. A Manteigas, não! O abastecimento era muito antes, e ainda bem, que estava farto de andar. Este tinha comida quente, bem boa, e já estava com saudades duma coisa assim. Comi, bebi, preparei-me e fui embora, rumo à última subida, rumo a Penhas da Saúde, rumo ao final.


Subida a Poios Brancos (900 D+) e o temporal

Antes do abastecimento, e até meio da subida, ia só. Uma caminhada solitária. Estava na última subida, desta vez em direção a Poios Brancos (1704m).

Apesar de ter muito desnível, esta fez-se em mais kms e em melhores condições. O que parecia ser mais uma brutalidade tornou-se bem mais simples de se fazer. Mais uma vez, estradões largos e fáceis de percorrer.

Quis o destino que, entretanto, encontrasse um colega pelo qual já tinha passado umas vezes, e ele por mim. Ia a penar como eu, a andar. E lá fomos nós qual velhotes amparando-nos psicologicamente um ao outro. Senti o "You'll never walk alone"

O tempo começou a escurecer, a temperatura a baixar - tive de vestir o impermeável -, a altitude aumentava a cada passo e entrámos nas nuvens. Começou a chover, e chuva fria puxada a vento. Diria que a chuva estaria algo por volta dos 2º.

Faltavam 5 kms para o fim. Mas 5 kms aqui são 2 horas. Aceleramos o passo, escureceu, tirámos os frontais da mochila. Chovia mais e mais. A chuva não dava tréguas, o impermeável deixou de o ser, as pernas estavam geladas (estava com calções).

As marcações mal se viam na noite e no nevoeiro. Sentia o frio como nunca tinha sentido e temi pelo pior. Não se viam luzes de civilização, mas vimos luzes de outros frontais de outros corredores lá ao fundo: Era o grupo do Jorge Sousa - já tinha passado por ele, ele mim, e agora voltava a encontrá-lo.

Foi muito duro esta parte, o frio era extremo, havia água a correr por todo o lado em que já não dava para evitar poças. O piso era lama, pedras e água. Tudo muito gelado. Ia atrás do grupo que acabara de encontrar para me proteger da intempérie. A corrida era feita com os braços junto ao peito para conservar o calor. Começava a ficar muito preocupado.

Mas eis que aparece no negrume da noite, e opacidade do nevoeiro, lá bem ao fundo duas luzes fortes. Vinham dum carro da organização. E enquanto nos aproximávamos apareceram mais duas luzes, e outras duas, e mais duas. Era Penhas da Saúde, estávamos a entrar pela pousada juventude e já sabia onde estava. Estava muito perto da chegada. Já estava no largo do Luna Hotel, já via a meta. Cheguei! Terminei a prova! Duro, bem duro este final, a serra consegue ser bruta quando para aí está virada.


E os outros?

Ainda na meta bebi um chá quente e tive de pedir à Guida para entrar no quarto dela e tomar um banho quente, e já! Que bem que soube! Parece que rejuvenesci com banho tomado e roupa lavada. Obrigado Guida, salvaste-me a vida!

E... os outros em prova?!?!?

Soube que cancelaram as provas, quem estava nos abastecimentos já não seguia. Dos 180k o Luís ficou na Torre, o Rui e o Pedro em Alvoco, e que já estavam no nosso chalé. Dos 100k a Carmen já tinha chegado há muito tempo, o Luís Afonso desistiu devido a uma torção no tornozelo e joelho, e a Sandra, a Marina e o Teodoro continuavam em prova - andavam perdidos a 3 kms do fim, para trás e para a frente à procura do trilho.

Um bocado antes da meia-noite lá chegaram estes 3 bravos no seu estilo Ferrero Rocher, embrulhados nas mantas térmicas. Bolas, que perseverança.


Day after

Recuperei bem. As bolhas que ameaçavam não se chegaram a concretizar, as dores musculares eram mínimas a caminho de desaparecerem, só o coração estava um bocado cansado. Nada que não fosse de esperar.

Podia desenvolver na escrita o excelente tempo que o João fez nos 45k, de como tive de recorrer aos cabos de bateria do Teodoro, de como devido à pandemia só admitiam mesas de 5 ao almoço e eramos 10 com garrafas de tinto no meio de cada grupo de 5, de como continuava a chover na serra e que lá em baixo o tempo estava razoável.

Havia tanto para escrever, mas gosto de levar memórias só comigo.


As marcações

Não consigo falar bem das marcações. Eu que estou habituado a fazer provas em que de uma marcação consigo ver a próxima, aqui ficámos bem longe disso. Na maior parte dos troços durante uns bons metros (e arrisco a dizer centenas) não se via marcação alguma. Está certo que disponibilizaram o track, mas não é menos verdade que ninguém é obrigado a ter um relógio que siga percursos e que neste caso o track teve três versões, a última delas a 24 horas do início da prova.

Eu próprio tinha a segunda versão, o que me trouxe complicações nos últimos 5 kms. E diga-se, em abono da verdade, que eram os 5 kms mais bem marcados da prova.


Epílogo

No final disto tudo, tenho a dizer com muita tristeza que não cheguei a utilizar os lápis de cera do Pedro. Fico com saudades desse momento que não aconteceu.

Olha: "Relaxa que encaixa"

(Entendedores entenderão)



Links

Relato da Sandra

Relato do Rui

Relato do Luís

Sites do Estrelaçor


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